quarta-feira, 21 de maio de 2008

Infância

"A minha infância ainda está a acontecer. Para mim não é só um tempo, é a capacidade que temos de nos espantar e de sermos encantados, e , nesse aspecto, ainda vivo em estado de infância. Tudo me fascina. Sou muito ingénuo. Sou quase um rural visitando pela primeira vez uma cidade. Mas quero manter isso, apesar de saber que não é muito prático. A única maneira que tenho de ser feliz é ter esta sensação de estranhamento. Como se estivesse a olhar pela primeira vez as coisas. Essa é a minha receita para ser feliz."

Mia Couto
(Revista Cara)

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Não sei...


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo :"Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escrevi.

Fernando Pessoa

domingo, 18 de maio de 2008

O fim do caminho


O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam
dóceis, leves,
só alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto
puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade

sábado, 17 de maio de 2008

A espantosa realidade das coisas


A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias
Cada coisa é o que é
E é difícil explicar a alguém quanto isso me
alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

(...)

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale
a pena ter nascido.

Alberto Caeiro

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Solidão


Solidão
Solidão não é falta de gente p´ra
conversar, namorar,passear ou fazer sexo…
Isto é carência

Solidão não é o sentimento que
experimentamos pela ausência de entes queridos
que não podem mais voltar…
Isto é saudade

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,
às vezes, para realinhar os pensamentos…
Isto é equilíbrio

Solidão não é o claustro involuntário,
que o destino nos impõe compulsivamente
para que revejamos a nossa vida…

Isto é um princípio da natureza

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado

Isto é circunstância

Solidão não é muito mais do que isto

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
E procuramos em vão pela nossa alma

Chico Buarque da Holanda

quinta-feira, 15 de maio de 2008

In my life

Lágrima

“Tu perguntas e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.

É talvez uma lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta quando é de noite.”

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Nine million bicycles

Gota d´água

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

Saber

O conhecimento torna a alma jovem
e diminui a amargura da velhice.
Colhe, pois, a sabedoria.
Armazena suavidade para o amanhã.

(Leonardo Da Vinci)

terça-feira, 13 de maio de 2008

segunda-feira, 12 de maio de 2008

E por vezes


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

David Mourão Ferreira

domingo, 11 de maio de 2008

Amor sem tréguas

É necessário amar,
qualquer coisa ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.
Não importa de quem,
não importa de quê;
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.
Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá o que for.
Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.
Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.
Amar como um homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.
Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.

António Gedeão

Ser feliz

Órgão do mar-Cidade de Zadar,Croácia

Situado na costa de Zadar uma cidade da Croácia,
encontramos o Órgão do Mar,com
degraus cravados em rochas
que têm em seu interior um interessante sistema de tubulações que,
quando empurrados pelos movimentos do mar, forçam o ar e,
dependendo do tamanho e velocidade da onda,
criam notas musicais,
sons aleatórios.


Criado em 2005 e ganhador do prémio europeu para espaços públicos
(European Prize for Urban Public Space), o Órgão do Mar
recebe turistas de várias partes do mundo que
vêm escutar uma música original que traz muita paz.
O lugar também é conhecido por oferecer um belo pôr-do-sol,
o que agrada ainda mais as pessoas que visitam a localidade. Zadar é uma bela cidade do litoral da Croácia
e foi duramente castigada durante a 2º Guerra Mundial.


A criação do Órgão é também uma iniciativa para devolver
um pouco do que o lugar perdeu com tanta destruição e sofrimento.
As lacunas no concreto servem para o Órgão 'respirar'
e também para levar os sons criados nas tubulações.

sábado, 10 de maio de 2008

Ninho com passarinho


Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.
Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga

Acende uma lua no céu


Acende uma lua no céu

E muitas estrelas no olhar

E deixa-te linda e sem véu

Envolta num brando dossel de luar

Semeia de flores teu chão

E abre a janela aos perfumes do ar

E esquece tua porta entreaberta

Porque na hora certa

Verás teu poeta surgir

E entrar e abraçar-te chorando

E amar-te até quando

Tiver que partir


Vinicius de Moraes

Stacey Kent

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Sonho...

Esta paisagem toda, renque de árvore,
estrada a arder em aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma... "
Fernando Pessoa

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Se eu fosse apenas...



Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
– de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...

Cecília Meireles

Enya

Lentamente se morre


"Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento
de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente,
quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.

Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo
exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.

Pablo Neruda

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Liberdade


Ir onde meu coração me mandar!...
Fazer o que eu quero,
Sonhar tudo o que devo sonhar...
Caminhar sem me cansar,
Viver todas as minhas histórias,
Amar e ser amada sem condições,
Sem grandes ou pequenas razões.
Ser tudo,
Ver o mundo,
Saber das coisas
E acreditar em milagres.
Liberdade...
Voar...
Alcançar todas as metas,
Seguir sempre em linha recta,
Nunca desistir
Nem olhar para trás.
Ir, sem medo,
Onde meu coração me levar!...

Vive...


segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sentir


Alma


«Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.»

Fernando Pessoa

domingo, 4 de maio de 2008

Mar


Madrigal


A minha história é simples.
A tua, meu Amor,
é bem mais simples ainda:

"Era uma vez uma flor,
Nasceu à beira de um Poeta...

"Vês como é simples e linda?

(O resto conto depois;
mas tão a sós, tão de manso
que só escutemos os dois).

Sebastião da Gama

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Um dia deram-me esta folha

Quando o trevo tem três folhas
diz fortuna e boa sorte
Porém quando conta quatro
diz amor até à morte

Vestido estampado

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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu escrevi um poema triste

Eu escrevi um poema triste,
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mário Quintana