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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Recordações


"Foi no decorrer do ano maldito, do ano a que chamámos "o festim do sol". É que o sol, nesse ano, dilatou o deserto. Brilhou e brilhou sobre as areias, entre as ossadas, as sarças secas, as peles transparentes dos lagartos mortos e essa erva dos camelos mudada em crinas. Aquele que faz crescer os caules das flores tinha devorado as suas criaturas e reinava sobre os cadáveres dispersos delas, da mesma maneira que a criança reina sobre os brinquedos que destruíu.Absorveu até as reservas subterrâneas e bebeu a água dos poços existentes. Absorveu mesmo os dourados das areias, que se tornaram tão vazias e brancas, que baptizámos a região como o nome de espelho. É que um espelho não contem absolutamente nada e as imagens que o recheiam não têm peso nem duração. É que um espelho queima por vezes os olhos, como um lago de sal."

Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 8 de julho de 2008

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Infância

"A minha infância ainda está a acontecer. Para mim não é só um tempo, é a capacidade que temos de nos espantar e de sermos encantados, e , nesse aspecto, ainda vivo em estado de infância. Tudo me fascina. Sou muito ingénuo. Sou quase um rural visitando pela primeira vez uma cidade. Mas quero manter isso, apesar de saber que não é muito prático. A única maneira que tenho de ser feliz é ter esta sensação de estranhamento. Como se estivesse a olhar pela primeira vez as coisas. Essa é a minha receita para ser feliz."

Mia Couto
(Revista Cara)

terça-feira, 13 de maio de 2008

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Um dia deram-me esta folha

Quando o trevo tem três folhas
diz fortuna e boa sorte
Porém quando conta quatro
diz amor até à morte

domingo, 20 de abril de 2008

Laços


O que é que «estar preso» quer dizer?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
-Laços?
-Sim, laços – disse a raposa – Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser o único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes aborreço-me um bocado. Mas se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol.


in "O Principezinho", Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 16 de abril de 2008

As regras da sensatez


Nunca voltes ao lugar onde já foste feliz.

Por muito que o coração diga não faças o que ele diz.

Nunca mais voltes à casa, onde ardeste de paixão.

Só encontrarás erva rasa por entre as lajes do chão.

Nada do que por lá vires será como no passado.

Não queiras reacender um lume já apagado.

São as regras da sensatez, vais sair a dizer que desta é de vez.


Por grande a tentação que te crie a saudade,

Não mates a recordação que lembra a felicidade.

Nunca voltes ao lugar onde o arco-íris se pôs,

Só encontrarás a cinza que dá na garganta nós.


São as regras da sensatez vais sair a dizer que desta é de vez

Carlos Tê

quinta-feira, 10 de abril de 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Linha quatro

No largo da Mutamba às seis e meia
carros pra cima carros pra baixo
gente subindo gente descendo
esperarei.

De olhar perdido naquela esquina
onde ao cair da noite a manhã nasce
quando tu surges
esperarei.

Irei pr'á bicha da linha quatro
Atrás de ti. (Nem o teu nome!)
Atrás de ti sem te falar
só a querer-te.

(Gente operária na nossa frente
rosto cansado. Gente operária
braços caídos sonhos nos olhos.

Na linha quatro eles se encontram
Zito e Domingas. Todos os dias
na linha quatro eles se encontram.

No maximbombo da linha quatro
se sentam juntos. As mãos nas mãos
transmitem sonhos que se não dizem.)

No maximbombo da linha quatro
conto meus sonhos sem te falar.
Guardo palavras teço silêncios
que mais nos unem.

Guardo fracassos que não conheces
Zito também. Olhos de cinza
como Domingas
o que me ofereces!

No maximbombo da linha quatro
sigo a teu lado. Também na vida.
Também na vida subo a calçada
Também na vida!

Não levo sonhos: A vida é esta!
Não levo sonhos. Tu a meu lado
sigo contigo: Pra quê falar-te?
Pra quê sonhar?

No maximbombo da linha quatro
não vamos sós. Tu e Domingas.
Gente que sofre gente que vive
não vamos sós.

Não vamos sós. Nem eu nem Zito.
Também na vida. Gente que vive
Sonhos calados sonhos contidos
Não vamos sós.

Também na vida! Também na vida!

Mário António
Poeta angolano

terça-feira, 4 de março de 2008

Candengue

Foto:C.Pires

Quando candengue brincava,
Em frente à escola da Liga,
De esconde esconde e caçava
Janjás e rolas com fisga.

Na rua jogava à bola
Feita de meias e trapos,
Não tinha bota de sola
P´ra chutar nas rãs e sapos.

Catava lacrau nas pedras
Ou matrindinde no mato,
Saltava pelas veredas,
Sorvia a sopa do prato.

Fazia carros de lata,
Muita bola de sabão,
E beliscava a mulata
Filha do mestre Tião.

Dava mergulhos no rio,
Meu velho rio cavaco,
Não tinha calor ou frio
Nem pelugem no sovaco.

Tomava banho na selha,
Trincava dendém assado,
Fugia da mana velha
Só p’ra não fazer recado.

Passava o dia a correr
Como bicho na savana,
Lanchava pão e banana
Jantava amor e prazer.

Não tinha TV nem fax,
Retrete, bidé, chuveiro,
Lia à luz de candeeiro,
Dum bendito petromax.

Do escuro não tinha medo,
Nem pesadelo, e sonhava
Ser guerreiro, ter meu feudo,
E com princesas casava.

Inventei histórias mil,
Cresci ao sol e relento,
E ao meu céu azul anil,
Mandei recados pelo vento.

Agora…
Agora doem-me os dedos,
Fazem-me azia, os molhos,
Já me atormentam os medos
E lacrimejam-me os olhos.

Agora…
São os anos e saudades
Que me fazem velho assim…
Não enganam, são verdades,
E as rugas falam por mim!

Abgalvão

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Canção para Joana Maluca


"Canção para Joana Maluca"

Para eles
eras unicamente a suja
a piolhosa
colhendo beatas
á porta do Nacional

E lestos
enquanto o sol brincava
no ombro alcantilado
das encostas
seus rafeiros te lançavam
de dentro dos quintais.

Joana
eles sabiam tua mão
e a temiam
(tua mão espinho-de-piteira
tua mão ngana-acusadora-moesm
ah! kikata kikata muene)
até quando
estendida tua mão
pedia.

Na escudela da noite
entre cassuneiras e muxixis
uma pobre escura flor
adormecia...

João Maria Vilanova

(Angola)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Tenho saudades


Eu tenho saudades de tudo
que marcou a minha vida...

Quando vejo retratos,
quando sinto cheiros,
Quando escuto uma voz,
quando me lembro do passado.

Eu sinto saudades...

Sinto saudades
de amigos que nunca mais vi,
De pessoas com quem
não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades
da minha infância,
Do meu primeiro amor,
Do último,
e daqueles que ainda
vou vir a ter.

Se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
Lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
Provavelmente não será
do jeito que eu penso
que vai ser...

Sinto saudades
de quem me deixou
e de quem eu deixei.

De quem disse que viria
e nem apareceu...

De quem apareceu correndo,
sem tempo de me conhecer direito...
De quem nunca vou ter
a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram
E de quem não me despedi direito...
Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus.

De gente que passou
na calçada contrária
da minha vida
E que só enxerguei de vislumbre...

De coisas que eu tive
e de outras que não tive,
mas quis muito ter...

De coisas que nem sei
como existiram,
mas que se soubesse,
De certo gostaria
de experimentar...

Quantas vezes tenho
vontade de encontrar
não sei o que,
Não sei aonde,
Para resgatar
alguma coisa que
nem sei o que é
E nem onde perdi...

Vejo o mundo girando
e penso que poderia estar
Sentindo saudades em
japonês,
Em russo,
em italiano,
em inglês.

Mas que minha saudade,
Só fala português embora,
lá no fundo possa ser poliglota.

Aliás, dizem que se costuma
usar sempre a língua pátria,
Espontaneamente,
quando estamos
desesperados,
Para contar dinheiro,
fazer amor
e declarar sentimentos
fortes...

Seja lá em que lugar
do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you",
Ou seja lá como possamos
traduzir saudade
Em outra língua,
nunca terá a mesma força
E significado da nossa
palavrinha.

Talvez não exprima
corretamente a imensa
falta que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho
mais saudades...

Porque encontrei
uma palavra para usar
Todas as vezes que sinto
este aperto no peito,
Meio nostálgico
meio gostoso.

Mas que funciona melhor
do que um sinal vital
Quando se quer falar
de vida e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis,
De que amamos muito
do que tivemos e
lamentamos as coisas boas
Que perdemos ao longo
da nossa existência...

Sentir saudade é sinal
de que se está Vivo!

"SKYHAWK"

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Beijo


Como está distante aquele dia, num mês qualquer, num ano qualquer da década de sessenta.
Conseguimos ficar sozinhos naquela sala de aula, que felizmente era pouco utilizada.
Foi aí que senti pela primeira vez o sabor de uns lábios que me faziam sonhar há muito tempo. O sabor que teve não consigo descrevê-lo, pois o nervoso, a ansiedade, o desejo, conseguiram arrebatar-me todos os sentidos.
O que senti?…aí foi mais profundo…Descrevê-lo?…impossível, veio da alma, veio do coração, e estes mistérios geralmente não se conseguem descrever.
Porém, sei que é o mesmo que sinto quando ficamos frente a frente.
Ainda hoje é assim.O que é?
Não sei…

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Namoro-Viriato da Cruz


Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com a letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas.
sua pele macia — era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce — como o maboque...
Seus seios, laranjas laranjas do Loge
seus dentes... — marfim...

Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto - SIM, noutro canto - não

E ela o canto do NÃO dobrou.

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela santa Ifigénia,
me desse a ventura do seu namoro...

E ela disse que não.

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...

E o feitiço falhou

Esperei-a de tarde, á porta da fábrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficámos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor...e ela disse que não.

Andei barbado , sujo, e descalço.
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
“— Não viu... (ai, não viu...?) Não viu Benjamim?”
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do sô Januário
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso ás moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba dancei com ela
e num passo maluco voámos na sala
qual uma estrela riscando o céu !
E a malta gritou : “Ai Benjamim !”
Olhei-a nos olhos — sorriu para mim
pedi-lhe um beijo — e ela disse que sim.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Naquele tempo


"mesmo essas conversas, então,eu julgava era pecado.Quando Rosa começava a me contar essas cuêsas, eu pensava Deus estava, também, a ouvir e ia se zangar.
Se não era isso, eu que tinha aceitado namorar mesmo aquele Firmino que Rosa me apresentou no caminho de casa.
Mas afinal, foi medo que eu tive: ainda não sabia namorar...Nesses tempos eu pensava, era preciso aprender a nomorar, como a tabuada.
Agora quando me lembro, até me rio de mim mesma.
Aprender aonde?..."

"Baixa e Muceques"
António Cardoso