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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As palavras



São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.

Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Quem as escuta?
Quem as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Também ele vai morrer...o Verão



Também ele vai morrer, o Verão.

.....Do verde ao vermelho
.....as maçãs ardem sobre a mesa.
.....Ardem de uma luz sua, mais madura.
.....E servem-me de espelho.

Eugénio de Andrade

sábado, 4 de setembro de 2010

as coisas que te dou



(...)

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Eugénio de Andrade

domingo, 21 de março de 2010

Primavera,Poesia...para celebrar hoje



Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás as mãos de quem te espera.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Escalar-te lábio a lábio


Tela de Gustav Klimt

Escalar-te lábio a lábio
percorrer-te: eis a cintura
o lume breve entre as nádegas
e o ventre, o peito, o dorso
descer aos flancos, enterrar
os olhos na pedra fresca
dos teus olhos,
entregar-me poro a poro
ao furor da tua boca,
esquecer a mão errante
na festa ou na fresta
aberta à doce penetração
das águas duras,
respirar como quem tropeça
no escuro, gritar
às portas da alegria,
da solidão.
Porque é terrível
subir assim às hastes da loucura,
do fogo descer à neve.
Abandonar-me agora
nas ervas ao orvalho-
a glande leve.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 8 de setembro de 2009

noite de verão no teu peito




Vê como o verão

subitamente se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.



Eugénio de Andrade

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Onde a pedra é flor,


Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
(e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo)
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.

Eugénio de Andrade

sábado, 25 de julho de 2009

...Deve haver um lugar


....Deve haver um lugar onde um braço
....e outro braço sejam mais que dois braços,
....um ardor de folhas mordidas pela chuva,
....a manhã perto nem que seja de rastos.

Eugénio de Andrade

domingo, 5 de julho de 2009

nunca o amor foi fácil...


(...)

Subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à língua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Mãos


Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.
- Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Deve haver um lugar onde...


....Deve haver um lugar onde um abraço
....e outro braço sejam mais que dois braços,
....um ardor de folhas mordidas pela chuva,
....a manhã perto nem que seja de rastos.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 2 de junho de 2009

domingo, 17 de maio de 2009

Somos como árvores


Somos como árvores
só quando o desejo é morto.
Só então nos lembramos
que dezembro traz em si a primavera.
Só então, belos e despidos,
ficamos longamente à sua espera.

Eugénio de Andrade

domingo, 10 de maio de 2009

O mar começa...

Tela de Michael e Inessa Garmash


O mar começa onde as crianças crescem
mas tenho ainda de procurar a pedra
próxima do silêncio onde dormir.

Eugénio de Andrade


terça-feira, 5 de maio de 2009

Devias estar aqui

Tela de Leonid Afremor


Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um

- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum...


Eugénio de Andrade

domingo, 3 de maio de 2009

Poema à Mãe



No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."

Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...

Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...


Eugénio de Andrade

terça-feira, 28 de abril de 2009

Juventude


Sim, eu conheço, eu amo ainda
esse rumor abrindo, luz molhada,
rosa branca. Não, não é solidão,
nem frio, nem boca aprisionada.
Não é pedra nem espessura.
É juventude. Juventude ou claridade.
É um azul puríssimo, propagado,
isento de peso e crueldade.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 21 de abril de 2009

Palavras

Que fizeste das palavras?
Que contas darás tu dessas vogais
de um azul tão apaziguado?

E das consoantes, que lhes dirás,
ardendo entre o fulgor
das laranjas e o sol dos cavalos?

Que lhes dirás, quando
te perguntarem pelas minúsculas
sementes que te confiaram

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 20 de abril de 2009

...rosas nos teus dedos


Os anjos que prometes são apenas
o rosto triste dos dias desolados.
Eu não prometo nada, sou alegria.
Aceito os anjos nos beijos que me dás
pondo rosas nos teus dedos descuidados.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 16 de abril de 2009

...o teu nome


Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte
ou brisa
ou mar
ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei

amor!

Eugénio de Andrade