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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

...Feliz dia para quem é

 


...Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!
Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver
Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!
Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia
De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!

Fernando Pessoa

terça-feira, 5 de outubro de 2010

por um raio de luar!

Trepem, trepem trepadeiras!
Trepem, trepem pelo ar!
Que de plantas rasteiras,
está a terra a abarrotar.

Trepem, trepem trepadeiras!
Trepem, trepem sem parar!
E se o muro se acabar,
trepem, trepem trepadeiras,
por um raio de luar.

Jorge Sousa Braga

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As palavras



São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.

Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.

Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Quem as escuta?
Quem as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

tenho sentidos....

 


Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

as belas folhas dos plátanos...



São belas as folhas dos plátanos espalhadas no chão.
Eram verdes e lisas no apogeu
da sua juventude em clorofila,
mas agora, no outono de si mesmas,
o velho citoplasma, queimado e exausto pela luz do Sol,
deixou-se trespassar por afiados ácidos.


 
António Gedeão



domingo, 12 de setembro de 2010

Saudades de saudades...


A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…
E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho…
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive…


Fernando Pessoa

sábado, 11 de setembro de 2010

a vida que é vivida....



Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

...a esta hora tudo em mim revive...



A luz desmaia num fulgor d’aurora,
Diz-nos adeus religiosamente…
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui… outrora…

E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho…
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive…

Florbela Espanca

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Também ele vai morrer...o Verão



Também ele vai morrer, o Verão.

.....Do verde ao vermelho
.....as maçãs ardem sobre a mesa.
.....Ardem de uma luz sua, mais madura.
.....E servem-me de espelho.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Esqueço o quanto me ensinaram




Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.
O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.
O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.


Alberto Caeiro

domingo, 5 de setembro de 2010

...num êxtase de seiva,

Abro a rosa com pétalas viradas para dentro
de mim, sugando-me o ser com os seus lábios
de veludo. E quando estou dentro da rosa, ouvindo
a música que corre ao longo do caule, num êxtase
de seiva, troco em versos o que a rosa me diz,
sentindo que a rosa se fecha, em botão, para
que o meu ser não saia de dentro dela. Então,
sei que habito o próprio centro do efémero,
enquanto as pétalas vão caindo, uma a uma,
à medida que a rosa se abre, e o sol que entra
para dentro da rosa, empurrando o meu ser
para fora do centro, corre nas suas veias,
como seiva de fogo, até fazer com que outros
botões nasçam, para que me suguem o ser, até
entre mim e a rosa não haver senão a frágil
fronteira de um espinho, em que me pico,
sentindo que a gota de sangue do meu dedo
podia ser a seiva em que a rosa nasce do ser
que a deseja, no instante efémero do amor.

Nuno Júdice


sábado, 4 de setembro de 2010

as coisas que te dou



(...)

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Esse rio sem fim

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Os teus olhos entristecem

Teus olhos entristecem.
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Esperança




Tela de Lawrence Alma-Talema


Se eu conseguisse viver este dia,
O dia que hoje passa,
Como se fosse o último da minha vida...
Esmagando ressentimentos,
Aleijando-me de toda a podridão
Que me aniquila a graça,
Que me enegrece a alma
E enluta o coração...


Ai, se eu pudesse suster
Os passos incertos,
No caminho errado,
Do meu viver !
E ao passado não voltar,
E saber esquecer,
Esquecer e perdoar ! ...

Se conseguisse reter
A lágrima que teima,
Dolorida,
Soltar-se dos olhos vidrados,
E que teima
Os rostos enrugados
Dos vencidos da vida ...

Se eu pudesse evadir-me
Deste negro cárcere,
Desta dura e fria prisão
Onde, há muito, vivo
Abandonado,
Cativo,
Nos braços da solidão...

Se eu conseguisse viver
Só dentro de ti,
E tu, bem dentro de mim,
Mas sem ninguém entender
O nosso viver assim ...

Isolado, neste mundo,
Onde a amargura se esconde,
Alimentando uma esperança
Que virá, não sei bem donde ...
- Do horizonte ? Do céu? Do mar?
... Na chama do amor vivendo,
O coração não se cansa,
Não se cansa de esperar! ...

José Maria Lopes de Araújo



segunda-feira, 31 de maio de 2010

Chapeus há muitos!!!!


Angela Morgan

Catherine Abel

Boldini

Erica Hopper
Catherine Abel

Edgar Degas

Johannes Vermeer

P.A.Renoir

Quisera então saber toda a verdade
De um chapéu na rua encontrado
Trazendo a esse dia uma saudade
D'algum segredo antigo e apagado
.....

Um dia entre a memória e o esquecimento
Colhi aquele chapéu envelhecido
Soltei o pó antigo entregue ao vento
Lembrando aquele sorriso prometido
As abas tinham vincos mal traçados
Marcados pelas penas ressequidas
As curvas eram restos enfeitados
De um corte de paixões então vividas

Aldina Duarte

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Calçada de Carriche

Tela de Paula Rego



Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
apalpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

António Gedeão





terça-feira, 18 de maio de 2010

Imaginação do belo

Tela de Ivan Rabuzin



Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

José Gomes Ferreira

sábado, 8 de maio de 2010

Chove


Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Esqueço do Quanto me Ensinaram

Tela de J.W.Waterhouse

Deito-me ao comprido na erva.
E esqueço do quanto me ensinaram.
O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,
O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.
O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.
O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.

Alberto Caeiro