terça-feira, 31 de março de 2009

Aceita o universo


Aceita o universo
Como to deram os deuses.
Se os deuses te quisessem dar outro
Ter-to-iam dado.

Se há outras matérias e outros mundos
Haja.

Alberto Caeiro

segunda-feira, 30 de março de 2009

Procura a maravilha


Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.

Eugénio de Andrade

domingo, 29 de março de 2009

sexta-feira, 27 de março de 2009

...sabedoria

Que saia a última estrela


Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito

E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece

E saiam todos os sóis
que apodrecem no céu
dos que não quiseram de joelhos
— mas que saiam de joelhos

E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
Seremos nós a vertigem


Alexandre O’ Neill

quinta-feira, 26 de março de 2009

Barco negro


De manhã, que medo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia.
Mas logo os teus olhos disseram que não!
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois numa rocha uma cruz
e o teu barco negro dançava na luz...
Vi teu braço acenando entre as velas já soltas...
Dizem as velhas da praia que não voltas.

São loucas... são loucas!

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros,
na água que canta no fogo mortiço,
no calor do leito dos bancos vazios,
dentro do meu peito estás sempre comigo.

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor me diz que estás sempre comigo.

David Mourão Ferreira

quarta-feira, 25 de março de 2009

O que nós vemos


(...)

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
(...)

Alberto Caeiro

terça-feira, 24 de março de 2009

Quando vier a Primavera


Quando vier a Primavera
se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
Na realidade não precisa de mim.
(…)

Alberto Caeiro

segunda-feira, 23 de março de 2009

Águas de Março


Águas de Março - Elis Regina

Eternamente...a Primavera


Eternamente tu

O tempo não sabe nada, o tempo não tem razão
O tempo nunca existiu, o tempo é nossa invenção
Se abandonarmos as horas não nos sentimos sós
Meu amor, o tempo somos nós

O espaço tem o volume da imaginação
Além do nosso horizonte existe outra dimensão
O espaço foi construído sem principio nem fim
Meu amor, tu cabes dentro de mim

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

A nossa história começa na total escuridão
Onde o mistério ultrapassa a nossa compreensão
A nossa história é o esforço para alcançar a luz
Meu amor, o impossível seduz

O meu tesouro és tu
Eternamente tu
Não há passos divergentes para quem se quer
Encontrar

Jorge Palma

...da luz


"Não receies avançar devagar, receia apenas ficar parado."
Provérbio chinês

domingo, 22 de março de 2009

Manhã serena de domingo...


Esta manhã, quando acordei, e a tua imagem
se atravessou à minha frente, ainda olhei pela
janela, não fosse ter nascido da luz que entrava.
Depois, pensei que podia ter sido um pedaço de
sonho que se partiu durante a noite, quando
o atirei para o chão. Mas não vi
nada, à minha volta, como se uma imagem pudesse
ter desaparecido de um momento para o outro,
ou a noite nunca tivesse existido. Saí
de casa, atravessei a rua até ao café e, enquanto
o bebia, fechei os olhos. E a imagem voltou,
tão real que, quando olhei de novo para a frente,
a mesa vazia transformara-se num sofá onde
estavas estendida, em repouso, como se o dia todo
tivesse passado por ti, e a noite te envolvesse
com o seu peso branco.

Nuno Júdice

sábado, 21 de março de 2009

...para brincar


E depois de ver como se faz... é só brincar

Dia da árvore


A um carvalho

Eis o pai da montanha, o bíblico MoisésVegetal!
Falou com Deus também,
E debaixo dos pés,
inominada, tem
A lei da vida em pedra natural!

Forte como um destino,
Calmo como um pastor,
E sempre pontual e matutino
A receber o frio e o calor!

Barbas, rugas e veias
De gigante.
Mas, sobretudo, braços!
Longos e negros desmedidos traços,
Gestos solenes duma fé constante...

Folhas verdes à volta do desejo
Que amadurece.
E nos olha a prece
Da eternidade
Eis o pai da montanha, o fálico pagão
Que se veste de neve e guarda a mocidade
No coração!

Miguel Torga

sexta-feira, 20 de março de 2009

Hoje...renascer...


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

Aí está ela, a Primavera


Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 19 de março de 2009

...uma flor


É linda!
É uma daquelas florinhas do campo para as quais, raramente olhamos.

...PAI


Recordando quem sempre foi a minha luz.

quarta-feira, 18 de março de 2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Pour toi mon amour


Je suis allé au marché aux oiseaux
Et j'ai acheté des oiseaux
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché aux fleurs
Et j'ai acheté des fleurs
Pour toi
Mon amour
Je suis allé au marché à la ferraille
Et j'ai acheté des chaînes
De lourdes chaînes
Pour toi
Mon amour
Et je suis allé au marché aux esclaves
Et je t'ai cherchée
Mais je ne t'ai pas trouvée
Mon amour

Jacques Prevert

Receita para fazer azul


Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice

segunda-feira, 16 de março de 2009

O poder da palavra...

Livraria Lello, na cidade do Porto

O poder da palavra...
Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Eugénio de Andrade

domingo, 15 de março de 2009

sábado, 14 de março de 2009

Adeus


Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente
tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Eugénio de Andrade

sexta-feira, 13 de março de 2009

Olha bem


Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção falar concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.

Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer aos olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
näo pode ser Amor com tal virtude.

Também eu das palavras me arreceio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.

E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.

António Gedeão

Why




quinta-feira, 12 de março de 2009

Flor do jasmim


Se andava no jardim
Que cheiro de jasmim!
Tão branca do luar!

(.............)

Eis tenho-a junto a mim.
Vencida, é minha, enfim,
Após tanto a sonhar...

(...........)

A hora do jardim...
O aroma de jasmim...
A onda do luar...

Camilo Pessanha

quarta-feira, 11 de março de 2009

Aprendizagem


Aprendi com as primaveras
a me deixar cortar para poder voltar inteira.

Cecília Meireles

Os olhos rasos de água


Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.
Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como um bosque.

É a hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.

Posso prometer uma viagem ao paraíso
a quem se estender ao pé de mim,
ou deixar uma lágrima nos meus olhos
ser toda a nostalgia das areias.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 10 de março de 2009

segunda-feira, 9 de março de 2009

Frente a frente


Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!


Eugénio de Andrade

domingo, 8 de março de 2009

Lonely Carousel



It´s a look
This game we play
We can´t escape we have to attend
Its life you see

When I have tried to amuse myself
To celebrate the funfair
The pleasures I seek are far too discreet for me

And all the time the world unwinds
I can´t deny the way I feel
The truth is lost
Beyond this lonely carousel

And all these words, they mean nothing at all
Just a cruel remedy a strange tragedy
Of what will be

After I try to discover the answers to why
To look for a meaning
Inside of this dreaming I have

And words that I´ve said they spin around
Waltzing alone inside my head
Nothing will change
Its always the same please make it stop

And all the time the world unwinds
I can´t deny the way I feel
The truth is lost
Beyond this lonely carousel

sexta-feira, 6 de março de 2009

Metal nobre


"A vida é uma pedra de amolar:

desgasta-nos ou afia-nos,
conforme o metal de que somos feitos."


George Bernard Shaw

quinta-feira, 5 de março de 2009

Desencanto


A praia abandonada recomeça
logo que o mar se vai, a desejá-lo:
é como o nosso amor, somente embalo
enquanto não é mais que uma promessa...

Mas se na praia a onda se espedaça,
há logo nostalgia duma flor
que ali devia estar para compor
a vaga em seu rumor de fim de raça.

Bruscos e doloridos, refulgimos
no silêncio de morte que nos tolhe,
como entre o mar e a praia um longo molhe

de súbito surgido à flor dos limos.
E deste amor difícil só nasceu
desencanto na curva do teu céu.

David Mourão-Ferreira

quarta-feira, 4 de março de 2009

Amor > Amizade

Súplica


Agora que o silêncio é um mar sem ondas
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.


Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

terça-feira, 3 de março de 2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

Voz que se cala


Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.

Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.

Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!

Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

Florbela Espanca

domingo, 1 de março de 2009

Sonetos


E quando nós saímos era a Lua,
Era o vento caído e o amor sereno
Azul e cinza-azul anoitecendo
A tarde ruiva das amendoeiras.

E respiramos, livres das ardências
Do sol, que nos levara à sombra cauta
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.

Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.

Se mágoa me ficou na despedida
Não fez mal que ficasse, nem doesse
Era bem doce, perto das antigas.

Ruben Braga