domingo, 20 de janeiro de 2008

Aguarela


Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis rectas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cair num pedacinho azul do papel
Num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu.


Vai voando, contornando a imensa curva norte e sul
Vou com ela viajando o Havai, Pequim ou Istambul
Pinto um barco à vela branco navegando
é tanto céu e mar num beijo azul.
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo
E se a gente quiser....... Ele vai pousar.



Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida
De uma América a outra eu consigo passar num segundo
giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está.




E o futuro é uma astro-nave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar
Sem pedir licença muda nossa vida
e depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar

Vamos todos numa linda passarela
de uma aguarela que um dia em fim Descolorirá....
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo... (que descolorirá)
e com cinco ou seis rectas é fácil fazer um castelo... (que descolorirá)
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo. (e
descolorirá)



Vinicius de Moraes
Poeta brasileiro (1913-1980)

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