sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Decisões


"nos momentos em que precisamos de tomar uma decisão muito importante, é melhor confiar no impulso, na paixão, porque a razão geralmente procura afastar-nos do sonho - justificando que ainda não é chegada a hora,a razão tem medo da derrota.
-mas a intuição gosta da vida e dos seus desafios."

Paulo Coelho

Alegoria floral

Pintura de Márcio Melo
Um dia em que a mulher nasça do caule da roseira
que cresce no quintal; ou um dia em que a nuvem
desça do céu para vestir de névoa os seus
seios de flor: seguirei o caminho da água nos
canteiros que me levam ao caule, e meter-me-ei
pela terra em busca da raíz.
Nesse dia em que os cabelos da mulher se
confundirem com os fios luminosos que o sol
faz passar pela folhagem; e em que um perfume
de pólen se derramar no ar liberto da névoa:
procurarei o fundo dos seus olhos, onde corre
uma tranparência de ribeiro.
Um dia irei tirar essa mulher de dentro da flor,
despi-la das suas pétalas, e emprestar-lhe o véu
da madrugada. Então, vendo-a nascer com o dia,
desenharei nuvens com a cor dos seus lábios, e
empurrá-las-ei para o mar com o vento brando
da sua respiração.
Depois, cobrirei essa mulher que nasceu da roseira
com o lençol celeste; e vê-la-ei adormecer, como
um botão de rosa, esperando que a nuvem desça
do céu para a roubar ao sonho da flor.

Nuno Júdice

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sede...


Saio à rua sedento do teu rosto
e apenas surpreendo nas esquinas
o rastro da tua ausência.

Não sei de ti, não dou por ti.
Falta-me a tua voz,
sem a qual não irei adormecer.

Pergunto-me onde estás, onde andarás,
em que nuvem te diluíste
ou que vento te arrastou
a que paragens e perigos
nascidos do meu medo.

Torquato da Luz

Com o silêncio do punhal num peito

Com o silêncio do punhal num peito,
O silêncio do sangue a converter
Em fio breve o coração desfeito
Que nas pedras acaba de morrer,

Vive em mim o teu nome, tão perfeito
Que mais ninguém o pode conhecer!
É a morte que vivo e não aceito;
É a vida que espero não perder.

Viver a vida e não viver a morte;
Procurar noutros olhos a medida,
Vencer o tempo, dominar a sorte,

Atraiçoar a morte com a vida!
Depois morrer de coração aberto
E no sangue o teu nome já liberto...

Alexandre O'Neill

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Cumplicidades

Para ti amigo reencontrado

Oiço falar


Oiço falar da minha vocação
mendicante e sorrio. Porque não sei
se tal vocação não é apenas
uma escolha entre riquezas, como Keats
diz ser a poesia.
Desci à rua pensando nisto,
atravessei o jardim, um cão
saltava à minha frente,
louco com as folhas do outono
que principiara e doiravam
o chão. A música,
digamos assim,
a que toda a alma aspira,
quando a alma
aspira a ter do mundo o melhor dele,
corria à minha frente, subia
por certo aos ouvidos de deus
com a ajuda de um cão,
que nem sequer me pertencia.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Pressa de quê?


" Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu
braço chega
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente
verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre
noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui."

Alberto Caeiro

Só contigo eu vou


"A ti pertencem todos os meus sonhos,
Meus pensamentos são tua morada,
Sem teu amor tudo seria nada,
O mundo triste e os dias não risonhos.
Minh'alma vive assim toda encantada,
Não há no meu olhar brilhos tristonhos,
Se estás a meu lado os males mais medonhos,
Fogem de medo da tua sombra alada.
Tu és, meu anjo, o meu porto de abrigo,
Não há ninguém no mundo, amor eu juro
Que possa dar-me tudo o que me dás!
Fica p'ra sempre comigo:
Cada lugar é a face do perigo
Quando me vejo onde não estás."

Silvia Schmidt

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Olhar


Olhas-me entre a surpresa e o desencanto
e eu fico embaraçado ante esse olhar:
nada podia perturbar-me tanto
como uns olhos roubados ao luar
das noites em que o tempo e o lugar
se faziam de espuma, luz e espanto.
Mas o que importa, sobre a ruinosa
erosão dos desenganos,
é esta força de quem ousa
amar-te acima do passar dos anos.

Torquato da Luz

Sabedoria


Desde que tudo me cansa,

Comecei eu a viver.

Comecei a viver sem esperança...

E venha a morte quando

Deus quiser.


Dantes, ou muito ou pouco,

Sempre esperara:

Às vezes, tanto, que o meu sonho louco

Voava das estrelas à mais rara;

Outras, tão pouco,

Que ninguém mais com tal se conformara.


Hoje, é que nada espero.

Para quê, esperar?

Sei que já nada é meu senão se o não tiver;

Se quero, é só enquanto apenas quero;

Só de longe, e secreto, é que inda posso amar.

E venha a morte quando Deus quiser.


Mas, com isto, que têm as estrelas?

Continuam brilhando, altas e belas.


José Régio

domingo, 19 de outubro de 2008

O mar estava perto


O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves,
só alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto
puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A você, com amor


O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...
E a música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

Vinicius de Moraes

Mudança

Se...


Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale, mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.
Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Pablo Neruda

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Bons sonhos


Uma flor para ti.Bons sonhos

Always on my mind



E de novo a armadilha dos abraços


E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias,
o rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre de novo
o amor total dos deuses e dos bichos.

Rosa Lobato Faria

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cantiga


É pelo teu rosto em que as marés passam,
pelos teus lábios em que voam gaivotas,
pelos teus dedos em que a luz perpassa,
pelos teus olhos que me traçam as rotas,

que este barco encontra o caminho,
que este dia descobre que não é tarde,
que as palavras se bebem como vinho,
e o fogo não queima quando arde.

É no que me dizes quando a noite fala,
no que perdura da manhã que se esquece,
no que é dito em tudo o que se cala,
e não precisa de ser dito quando amanhece.

Pode ser o amor tantas vezes sentido,
ou só aquilo que vive no coração,
pode ser o que pensava ter esquecido,
e regressa agora pela tua mão.

Quantas vezes já foi primavera,
e logo aí as flores morreram:
até ao dia em que nada ficou como era,
e todas as folhas mortas reverdeceram.

Nuno Júdice

Passeando pelo jardim

Novamente o sonho...

"Não importa o tamanho do nosso sonho,
acreditando nele, a nossa vida
ficará mais bonita e muito melhor para ser vivida...”

Indiferentes...


“Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.”

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Outono


Outono.
(A palavra é cansada…)
Tudo a cair de sono,
Como se a vida fosse assim, parada!

Nem o verde inquieto duma folha!
O próprio sol, sem força e sem altura,
Olha
Dum céu sem luz e levedura.

Fria,
A cor sem nome duma vinha morta
Vem carregada de melancolia
Bater-me à porta.

Miguel Torga

Amor que morre

Claude Monet

O nosso amor morreu... Quem o diria!

Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,

Ceguinha de te ver, sem ver a conta

Do tempo que passava, que fugia!


Bem estava a sentir que ele morria...

E outro clarão, ao longe, já desponta!

Um engano que morre... e logo aponta

A luz doutra miragem fugidia...


Eu bem sei, meu amor, que pra viver

São precisos amores, pra morrer,

E são precisos sonhos para partir.


E bem sei, meu amor, que era preciso

Fazer do amor que parte, o claro riso

De outro amor impossível que há-de vir!


Florbela Espanca

domingo, 12 de outubro de 2008

Improviso de Outono


donde vem?

de que sorriso

ou fonte

ou pedra aberta

e é para ti que canta

ou, simplesmente,para ninguém?

que juventude

te morde ainda os lábios?

que rumor de abelhas

te sobe pela garganta?

não perguntes; escuta:

é para ti que canta.


Eugénio de Andrade

Um pouco de céu

Fim de um amor



Escalada

Destino


Segue o teu destino,
rega as tuas plantas,
ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
de árvores alheias.
A realidade

Sempre é mais ou menos
do que nós queremos.
Só nós somos sempre
iguais a nós próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
viver simplesmente.

Deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
está além dos deuses.


Mas serenamente
imita o Olimpo
no teu coração.
Os deuses são deuses
porque não se pensam.


Ricardo Reis

Desencontros



quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Poema da vida


Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos
—Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar nas trevas
Um caminho entre dois túmulos
—Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai
—Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte
—De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

Confronto

Viagem


Se eu voltasse a nascer, e
as minhas mãos me ensinassem o caminho
que vai do coração ao mundo, e
os meus olhos me abrissem o círculo
que o mar desenha no horizonte,
e o meu nariz respirasse a luz que a manhã
solta de dentro da névoa, e os meus lábios
pedissem o pão de estrelas que as aves
trocam entre si, e os meus passos me conduzissem
para onde ninguém precisa de voltar,
o tecido da minha vida seria transparente
como o vidro da janela que não abro,
o fio que vou puxando seria eterno
como os números que contam os dias de um deus,
a tesoura da noite ficaria na caixa
que não precisei de abrir. Se eu voltasse
a nascer, e as velas do sonho me envolvessem
com o linho do seu vento.

Nuno Júdice

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Ser amigo é...


É ter-te sempre no pensamento
Naquele bom ou mau momento
É sentir-te vibrante
Alegre e pulsante
Quando teu coração pede alimento
Ser amigo
é estar sempre presente
Seja no real ou virtualmente
é secar tuas lágrimas de angustia
Mas também de alegria
É ser duro por vezes quando desalentas
Para dar-te forças...
Energia ...
Ajudar-te a vencer as tormentas
Ser amigo é afinal
Nunca te abandonar ou esquecer
Mesmo que o contrário te possa parecer
É adorar o Ser que És ... bem real
Mesmo enquanto só no virtual
Te conhecer

Recebido por email.Desconheço o autor

Liberdade

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Na aldeia

Quando fores embora
Deixa entreaberta a porta
Deixa a luz da lua espalhar-se nas paredes
Como se de ti ficasse algum sinal

Quase nada


O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 1 de outubro de 2008