quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um dia como os outros


Cansado de ser homem o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.

Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como num bosque.

É hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.

Posso prometer uma viagem ao paraíso
a quem se estender ao pé de mim
ou deixar uma lágrima nos meus olhos
ser toda a nostalgia das areias.

É a hora de adormecer na tua boca,
como um marinheiro num barco naufragado,
o vento na margem das espigas.

Eugénio de Andrade

2 comentários:

Anónimo disse...

qUE BELO!

Iguana africana disse...

Eugénio de Andrade tem este dom, de nos fazer perceber o quão belo é a poesia.
Obrigada pelo comentário.