sábado, 21 de junho de 2008

Olhando o mar, sonho sem ter de quê


Olhando o mar, sonho sem ter de quê.

Nada no mar, salvo o ser mar, se vê

.Mas de se nada ver quanto a alma sonha!

De que me servem a verdade e a fé?


Ver claro! Quantos, que fatais erramos,

Em ruas ou em estradas ou sob ramos,

Temos esta certeza e sempre e em tudo

Sonhamos e sonhamos e sonhamos.


As árvores longínquas da floresta

Parecem, por longínquas, 'star em festa.

Quanto acontece porque se não vê!

Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.


Se tive amores? Já não sei se os tive.

Quem ontem fui já hoje em mim não vive.

Bebe, que tudo é líquido e embriaga,

E a vida morre enquanto o ser revive.


Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser

Motivos coloridos de morrer?

Mas colhe rosas. Porque não colhê-las

Se te agrada e tudo é deixar de o haver?


Fernando Pessoa

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